segunda-feira, 12 de novembro de 2012

MENSAGEM de Fernando Pessoa; Segunda Parte- MAR PORTUGUEZ

O INFANTE
 
Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
 
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
 
Análise:"Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".
"Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle".
"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar.
"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal"- cumpriu-se o destinado: o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
 

O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»
  «De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou immundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
 o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»
 
Análise:Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser simbólico foi dignificado pela transformação em mostrengo na revisão anterior à edição de Mensagem em livro.
O poema simboliza, claro está, o medo do desconhecido (o "mostrengo") que os navegadores portugueses tiveram que vencer. A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa, as ordens do rei D.João II. Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor para não desagradar ao seu bondoso patrono. Mas com D.João II o trato era diferente porque ele era o tipo de homem que não admitia que aqueles em quem confiara falhassem- os comandantes preferiam enfrentar todos os dragões do mar à fúria do seu senhor e por isso o poema encerra também uma ironia- a natureza da "vontade" que ata o homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto!


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