terça-feira, 20 de novembro de 2012

Obra de Sttau Monteiro

Sttau Monteiro começa, então, uma carreira como jornalista, colaborando em várias publicações, de que se destaca a sua participação na revista Almanaque, onde também eram redactores Augusto Abelaira, José Cutileiro, Alexandre O’Neil, Vasco Pulido Valente e José Cardoso Pires. Relevante foi ainda o seu desempenho no Diário de Lisboa, matutino onde coordenou o suplemento "A Mosca", nos anos 70 do século XX, com a colaboração de Joaquim Letria, José Cutileiro, Mário Castrim e João Abel Manta, entre outros. Foi de igual modo nesse quotidiano que publicou as suas crónicas gastronómicas intituladas «A Melga no Prato».


Publica a peça de teatro Felizmente Há Luar!, obra que, sob influência do teatro de Brecht, e recuperando acontecimentos anteriores (inícios do séc. XIX) da história portuguesa, procurava fazer uma denúncia da situação sua contemporânea. Por isso, a censura proibiu a sua representação.
No entanto, essa proibição não impediu que fossem vendidos 160 mil exemplares da peça, o que resultou num êxito editorial estrondoso.
 
Mais um texto dramático sai a público: Auto da Barca do Motor fora da Borda - uma paráfrase moderna do teatro vicentino. Foi proibido pela censura.
Nesse mesmo ano é editada a novela E se for Rapariga Chama-se Custódia.
 
Entretanto, a primeira exibição de Felizmente Há Luar!, em antestreia, aconteceu na sede do Club Franco-Portuguais de la Jeunesse de Paris, no dia 1 de Março de 1969, e a estreia, no dia 30 desse mesmo mês, no Théatre de l’ Ouest Parisien, levada à cena pelo Teatro-Oficina Português.
 
 

Vida de Sttau Monteiro

Luís Infante de Lacerda de Sttau Monteiro nasce em Lisboa, filho de Lúcia Rebelo Cancela Infante de Lacerda (1903-1980) e Armindo Rodrigues de Sttau Monteiro (1896 – 1955), e procura construir a sua vida tendo como «única coisa sagrada ser livre como o vento».
 

Com 10 anos de idade, parte para Londres, acompanhando o pai, Armindo Monteiro, que vai exercer as funções de embaixador de Portugal. O tempo que passou na capital inglesa possibilitou-lhe acompanhar de perto, e num palco privilegiado, o desenrolar da II Guerra Mundial, bem como um contacto mais próximo com alguns movimentos de vanguarda da literatura anglo-saxónica, contacto esse que irá influenciar significativamente a sua formação cívica e literária.
 
Regressa a Portugal, quando o pai é demitido do cargo por Salazar.

 
Realiza os seus estudos liceais num colégio particular e, mais tarde, no Liceu Pedro Nunes.
Apesar de gostar de Matemática, acaba por optar por uma licenciatura em Direito, na Universidade de Lisboa, exercendo, depois, durante dois anos, a advocacia.
 

Módulo Nº11

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

MENSAGEM de Fernando Pessoa; Terceira Parte- O ENCOBERTO

NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
 Ninguém sabe que coisa quere,
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
 É a Hora!
 
Análise:
Neste poema, o último de Mensagem, Fernando Pessoa transmite uma imagem desencantada da realidade do Portugal dos seus dias... mas para concluir que essa situação é, afinal, o nevoeiro de que falam as profecias e que marcará o regresso de D.Sebastião. A conclusão de que o nevoeiro que se esperava não é, afinal, literal (físico) mas antes simbólico (social e político) permite-lhe acabar o Poema com uma "volta" final ao gritar: "É a Hora!".
"fogo-fátuo"- chama azulada, em geral breve, resultante da combustão espontânea de uma mistura de metano e ar em determinadas proporções. O metano (gás dos pântanos) é produzido naturalmente pela decomposição da matéria orgânica, vegetal ou animal. A combustão produz calor, mas como é muito breve a chama pode parecer fria.

O ENCOBERTO
 
Que symbolo fecundo
Vem na aurora anciosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que symbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Christo.
Que symbolo final
Mostra o sol já disperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
 
Análise: Este curioso poema é uma sucessão de referências cruzadas à mística rosicruciana. Os Rosa-Cruz foram (são?) uma sociedade secreta cujas origens provavelmente remontam ao século XVII. Os interessados poderão ler um texto sobre os Rosa-Cruz. Parece que originalmente seria um grupo secreto de homens cultos e superiormente desinteressados que sonhavam controlar os destinos da humanidade de maneira a assegurar o advento de um mundo pacífico e feliz (na prática, uma variante da noção do Quinto Império). As diversas cisões e criação de sociedades sob o mesmo nome obliteraram as pistas quanto à permanência real de uma sociedade secreta que represente a presença actual de uma herança multisecular ininterrupta.
Existem várias interpretações da simbologia da Rosa e da Cruz. Uma, que convém a este poema, é de que a Rosa é uma representação do círculo e está associada a ideais de perfeição que são metas, enquanto que a Cruz representa, por exemplo, as atribulações que há a ultrapassar ou vencer para as atingir.


MENSAGEM de Fernando Pessoa; Segunda Parte- MAR PORTUGUEZ

O INFANTE
 
Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
 
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
 
Análise:"Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".
"Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle".
"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar.
"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal"- cumpriu-se o destinado: o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
 

O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»
  «De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou immundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
 o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»
 
Análise:Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser simbólico foi dignificado pela transformação em mostrengo na revisão anterior à edição de Mensagem em livro.
O poema simboliza, claro está, o medo do desconhecido (o "mostrengo") que os navegadores portugueses tiveram que vencer. A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa, as ordens do rei D.João II. Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor para não desagradar ao seu bondoso patrono. Mas com D.João II o trato era diferente porque ele era o tipo de homem que não admitia que aqueles em quem confiara falhassem- os comandantes preferiam enfrentar todos os dragões do mar à fúria do seu senhor e por isso o poema encerra também uma ironia- a natureza da "vontade" que ata o homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto!