terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Acto III

A acção do último acto tem lugar na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal" que comunica, por uma porta, com a capela da Senhora da Piedade. O facto de as personagens se movimentarem num nível inferior relaciona-se com o esquema simbólico da descida. Segundo a mitologia clássica, os infernos, o local que abrigava os mortos, encontrava-se no centro da terra, após uma descida. O contacto com esse nível pressupõe, assim, a passagem a outro estádio da existência humana. Verificamos que o casal morre para o mundo, para renascer sob uma outra identidade.
O casarão onde se consumará a tragédia não apresenta "ornato algum"; destacam-se, por outro lado, as "tocheiras", as "cruzes", os "guisamentos de igreja", que introduzem as personagens num mundo dominado pelo culto religioso, o "esquife" (caixão), que enfatiza a coincidência entre a vida e a morte para o cristão, e "uma cruz negra de tábua com o letreiro J.N.R.J., que evidencia o sofrimento de Cristo na terra. Também a família será sujeita a provações que lhe conferem o estatuto de eleita, pela purificação a que é submetida, ao abandonar o mundo profano para se tornar serva de Deus. Ainda, nesta linha simbólica, surge a referência a uma "toalha pendente como se usa nas cerimónias da Semana Santa", em que celebra o sofrimento do povo cristão e a ressurreição de Cristo.
A relação entre o espaço físico e as vivências das personagens é, pois, evidente. À felicidade que sentem no primeiro acto por se encontrarem unidos seguir-se-á a tortura imensa de terem de aceitar a separação. O traje nobre do casal será substituído pela simplicidade suprema do escapulário. A decoração rica e colorida, que constitui os cenários no primeiro acto, transformar-se-á na ausência de ornamentos e na austeridade total.

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