terça-feira, 30 de outubro de 2012

MENSAGEM de Fernando Pessoa; 1ª Parte-BRAZÃO

D.DUARTE REI DE PORTUGAL
 
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
em dia e letra escrupuloso e fundo.


Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.
 
Análise:"A regra de ser Rei almou meu ser"- A disciplina de ser rei encheu a minha vida (isto é, como D.Duarte viveu o fim do seu curto reinado no remorso das consequências da falhada expedição a Tânger e da prisão do irmão Fernando não tinha prazer na vida, dedicando-se inteiramente ao dever da governação). Esse remorso é a razão da frase do poema: "firme em minha tristeza".
 
D.PEDRO REGENTE DE PORTUGAL
 
Claro em pensar, e claro no sentir,
é claro no querer;
indiferente ao que há em conseguir
que seja só obter;
duplice dono, sem me dividir,
de dever e de ser-

não me podia a Sorte dar guarida
por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
calmo sob mudos céus,
fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!
 
Análise:indiferente ao que há em conseguir que seja só obter"- não fui movido pelo desejo de posse; não fui ambicioso de bens materiais.
"Dúplice dono, sem me dividir, de dever e de ser"- eu e o meu dever fomos um só.
 
D.JOÃO INFANTE DE PORTUGAL
 
Não fui alguém. Minha alma estava estreita
entre tam grandes almas minhas pares,
inutilmente eleita,
virgemmente parada;
 
porque é do portuguez, pae de amplos mares,
querer, poder só isto:
o inteiro mar, ou a orla vã desfeita-
o todo, ou o seu nada.
 
Análise: "Minha alma estava estreita entre tão grandes almas...etc"- os meus irmãos (o Infante D.Henrique, o Rei D.Duarte, o Infante D.Pedro, e o Infante D.Fernando) tiveram tal grandeza que me ofuscaram completamente. "virginalmente parada"- sem actividade; virgem de acção (esta afirmação é inexacta em relação ao Infante D.João que foi um homem de mérito e de préstimo para o País. Aliás, qualquer comparação com um homem de estatura mundial como o Infante D.Henrique só pode resultar injusta para o comparado!).
"é do português querer só isto: o inteiro mar ou a orla vã desfeita"- para um português não há meios termos: ou tudo ou nada (por isso, como não fui tudo, então eu não fui nada!).
"a orla vã desfeita"- a cercadura do mar; a espuma das ondas que se desfazem futilmente na costa.


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Reflexões do Poeta em Os Lusíadas

Luís de Camões, n´Os Lusíadas, não consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoção. Então, interrompendo o tom épico, como os bons clássicos de Roma e Grécia, umas vezes, a sua palavra ganha uma feição didáctica, moral e severamente crítica; outras vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo.
 
Eis alguns dos temas tratados nas passagens mais subjectivas d’Os Lusíadas, que irrompem quase sempre nos finais dos diversos cantos :
 
Canto I (105-106) - Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.

 
Canto V (92-100) - O poeta lastima o desdém a que os Portugueses votam as letras. Aqueles, apesar de serem de terra de heróis, não reconhecem o valor da arte.

O Velho do Restelo n'os Lusíadas

Quando as naus de Vasco da Gama se despediam do porto de Belém, um ancião, o Velho do Restelo, elevando a voz, manifestou sua oposição à viagem às Índias. A sua fala pode ser interpretada como a sobrevivência da mentalidade feudal, agrária, oposta ao expansionismo e às navegações, que configuravam os interesses da burguesia e da monarquia. É a expressão rigorosa do conservadorismo. Certo é que Camões, mesmo numa epopéia que se propõe a exaltar as Grandes Navegações, dá a palavra aos que se opõem ao projeto expansionista. Portanto, O Velho do Restelo representa a oposição passado x presente, antigo x novo. O Velho chama de vaidoso aqueles que, por cobiça ou ânsia de glória, por sua audácia ou coragem, se lançam às aventuras ultramarinas. Simboliza a preocupação daqueles que antevêem um futuro sombrio para a Pátria.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

D. Manuel I (O Sonho)


O sonho prenuncia os êxitos, a fama, o poder e a glória de que se cobrirá o Rei por ter conseguido descobrir o Oriente.

O sonho é um símbolo do que pode o espírito humano quando procura pôr em prática as suas aspirações. É símbolo da capacidade de conquista, de vontade de ir sempre mais além, de desbravar o desconhecido. E símbolo da política expansionista portuguesa na época.
 
 

D. Manuel I


 
D. Manuel logo que assume o poder pretende dar continuidade aos desejos do seu antecessor, na conquista de novos mares e de novas terras. Uma noite sonha com «vários mundos», «nações de muita gente, estranha e fera» (IV, 69) e vê «dous homens, que mui /velhos pareciam / de aspeito, inda que agreste, venerando» (IV, 71). Estes apresentam-se como sendo os rios Ganges e Indo, que afirmam a D. Manuel que é tempo de mandar «a receber de nós tributos grandes» (IV, 73).

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mitificação Do Herói

Os Lusíadas celebram os Portugueses enquanto nação, colectividade. Para isso, o poeta desenvolve uma história de Portugal como epopeia, seleccionando os episódios e as figuras, de modo a fazer avultar o lado heróico e exemplar da História, cantando-a. Por outro lado, o poema tende à universalidade, louva não só os Portugueses mas o homem em geral: a sua capacidade realizadora, descobridora. A empresa das descobertas é a grande prova dessas capacidades: a de se impor à natureza adversa, de desvendar o desconhecido, de ultrapassar os limites traçados pela cultura antiga e pelo conceito tradicional do homem e do mundo, que estavam dogmatizados e eram difíceis de superar. Os Lusíadas celebram a capacidade de alargar e aprofundar o saber; a realização do homem no que respeita ao amor e, por fim, talvez o mais importante, o poder de edificar a vida face ao destino. De não ser vítima da fatalidade. De se libertar e de ser sujeito do seu próprio destino. Por isso, um dos temas épicos consiste na comparação sistemática com os modelos antigos, com o apogeu na divinização dos heróis.