Análise ao Poema "Num Bairro Moderno"
O poema "Num Bairro Moderno" é exemplificativo de um dos traços
característicos da poesia de Cesário Verde - a deambulação. O poeta
percorre o bairro enquanto se dirige para o emprego - " (...) Eu descia, /
Sem muita pressa, para o meu emprego," (est. III, vv. 2-3) e é o seu olhar
que, como uma "câmara", vai "focando" vários planos: a "casa apalaçada",
os "jardins" que se estendem ao longo da "larga rua
macadamizada" (est. I), os "rez-de-chaussée" cujas persianas que
se abrem deixam ver pormenores do interior das casas - "quartos
estucados", "papéis pintados", "porcelanas" (est. II). Note-se
que tanto estes pormenores do espaço interior como as referências anteriores a
elementos do espaço exterior sugerem bem-estar, o conforto que se vive neste
bairro moderno e burguês; o poeta explicita-o ao introduzir com um comentário
pessoal a terceira estrofe - " Como é saudável ter o seu conchego / E a
sua vida fácil!" Esta ideia de conforto é sugerida não só pelas
referências objectivas como pela linguagem expressiva utilizada, nomeadamente
por verbos e adjectivos: "com brancuras quentes" -
sinestesia, "Rez-de-chaussée repousam sossegados" -
hipálage - transfere-se para as casas o ambiente de tranquilidade que se
vive no seu interior e que é acentuado pela associação pleonástica do verbo
"repousar" e do adjectivo "sossegado", "Reluzem, num
almoço, as porcelanas."
O brilho que emana das loiças é um dos elementos que confere
visualismo a esta descrição. O motivo do olhar domina a composição:
"Matizam", "fere a vista", "Reluzem", "Notei",
"examinei-a", são elementos lexicais que confirmam a importância que a
percepção visual detém no poema. Nas estrofes IV e V o poeta refere-se à
vendedeira como se o seu olhar se fixasse sobre uma imagem da qual o poeta
destaca aquilo que visualmente o impressiona - "uma rapariga / Que no
xadrez marmóreo duma escada, / como um retalho de horta
aglomerada, / Pousara, ajoelhando, a sua giga." É de notar o
forte contraste visual (sugerido) entre o branco e o negro, dispostos em xadrez,
e o colorido das frutas e legumes que estão dentro da cesta. A esta associam-se
outras sensações. Ainda na quinta estrofe é o som que vem completar o quadro
-"ressoam-lhe os tamancos"; na oitava estrofe a associação de sensações -
sinestesia- é o processo através do qual o poeta transmite a sua
visão impressionista da realidade - "Bóiam aromas, fumos de
cozinha;" (olfacto), "Com a cabaz às costas, e vergando, / Sobem
padeiros, claros de farinha;" (visão), "E às portas, uma ou outra
campaínha / Toca, frenética, - hipálage - de vez em
quando." (audição).
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